terça-feira, 31 de maio de 2011

Capítulo 4

Do outro lado da rua eu pude ver alguns zumbis que iam na direção contrária dos carros. Com certeza ainda deve haver vivos nas redondezas, especialmente nos bairros mais populosos, como Mandacaru, Cristo e Jaguaribe. Além disso, algumas pessoas ainda deveriam estar tentando sobreviver em locais ainda controlados pelo governo. O Almeidão, certamente, estaria cheio de sobreviventes, e cercado de zumbis por todos os lados. Imagino que a Estação Ciência tenha passado pelo mesmo processo, juntando muita gente no ponto mais oriental das Américas. Zumbis agora são os primeiros seres humanos a verem o nascer do sol em nosso continente.

 Depois de enterrar a esposa e o filho nos fundos de casa você começa a ficar mais seco em relação à dor dos outros. A fé? O que Deus teria a ver com isso? Afinal, eu sou um pastor, e, teoricamente, deveria ter uma opinião formada sobre este assunto enquanto pastor. Pois é. Depois de ver seus entes queridos transformados em massas sem vida que só querem comer cérebros você acaba por desacreditar um pouco de Deus. Mas depois você pensa bem e chega à conclusão que só a fé em uma força maior pode tirar você da enrascada em que se meteu. Fé, nestas horas, é tudo o que você tem, mesmo que aquele livro preto que você deixou em casa não faça qualquer menção ao apocalipse zumbi que aconteceu à sua volta, a vida é como a propaganda do Pálio. Está na hora de rever seus conceitos.

Esperei os zumbis que estavam do outro lado atravessarem de vez para Jaguaribe para seguir entre os carros. Andando rápido e evitando qualquer barulho, segui para o outro lado da rua e entrei pelos fundos do supermercado. Nenhum ex-vivo me esperando. Ótimo. Comida. Comida. Era quase um zumbi naquela hora, buscando o que matasse minha fome. Bolachas, barras de cereais, muitos cereais, muitos enlatados, coisas que não estragam, carnes em conserva, arroz, feijão, sacaria em geral, livros e revistas da seção de cultura, coisinhas para limpar da casa o sangue da minha esposa e do meu filho. Aliás, foi bem difícil fazer o que eu fiz, mas quando a gente precisa sobreviver, fazer o que, não é verdade?

Capítulo 3

Antes de qualquer coisa, precisava encher a dispensa. No primeiro momento, ia ficar em casa, sem sair de lá, apenas sobreviver, sem chamar muita atenção. Mapeei na cabeça todos os supermercados das imediações. O primeiro a ser visitado seria o que tem do lado de casa, atravessando a rua. Lá, comida, utensilhos para casa, para higiene, roupas e medicamentos seriam encontrados. Sabendo que os seguranças do mercado usavam armas e imaginando que foram vitimados pela praga, pensei que ter um 38 na cintura não seria de todo mal, afinal, trata-se de uma arma de fácil manuseio, com um coice não tão violento e cuja munição é fácil de achar em qualquer lugar. Mais para frente eu conseguiria armas melhores e mais eficazes no combate à praga, mas para começar, para um homem que nunca atirou na vida, um 38 está ótimo.

Lembrei, também, que na rua do lado de casa, no caminho para o mercado municipal, tinha uma delegacia de polícia. Talvez encontrasse munição por lá. Não que a polícia pessoense fosse bem armada, mas não custava nada tentar, mas isso eu veria apenas no outro dia. Por enquanto, munido apenas de um machado, eu encararia a travessia da rua, que estava cheia de carros parados.

Na rua tranqüila eu parei esperando para ver se eles não surgiam de algum lugar. Lembra das regras de Zombieland? Pois é. Cardio, preparo físico. Ainda bem que sempre pratiquei esportes e zumbis, por sua própria condição, aos poucos, vão ficando mais mal acabados, podres e lentos. Rigor mortis, eu te amo.  Nenhum zumbi a vista, atravessei a rua. Na mão, um machado. Era a única arma que eu tinha. Avenida dos Tabajaras, muitos carros parados, mas nada de engavetamentos, ou coisa parecida. Apenas um engarrafamento morto na avenida, vindo de Jaguaribe e descendo até a Lagoa Solon de Lucena. Tinha que tomar cuidado, pois entre os carros não tinha muito espaço e a dificuldade de mobilidade é uma das coisas que matam você em um apocalipse zumbi. Tinha que pensar, o tempo todo, em rotas de fuga, alternativas de caminho, tudo isso sem ser descoberto como ser vivo, pois queria continuar um bom tempo na minha casinha tranqüila, já que sair de João Pessoa era algo, ainda, fora de cogitação..

Por que?


      Pela experiência adquirida em anos sendo nerd e anos sendo pastor, sei que o apocalipse faz duas coisas com as pessoas: a primeira coisa é que as pessoas acabam afluindo para as capitais em busca de proteção do governo, fechando as vias de vinda à cidade. A segunda é fazer as pessoas descobrirem que cometeram um grande erro vindo às cidades, pois, mais pessoas, mais desmortos, e os vivos tentam fugir, fechando as rotas de saída das capitais. Então, esquece PB-008 e BR-230. Com certeza estarão fechadas, e até que eu consiga uma moto de qualidade, que exija pouca manutenção e que consuma pouco combustível, meu plano de ir morar em Tambaba está fora de cogitação.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Capítulo 2

Nada mais para pensar a partir daquele primeiro dia, quando um homem pacato, um pastor em uma pequena igreja em João Pessoa, teve que cravar um machado na cabeça de uma ovelha. Eu parecia estar dentro de um filme de Romero. Sim, o apocalipse zumbi aconteceu no mundo real, e temos ao nosso alcance todos os níveis de informações necessários para uma boa chacina de desmortos. Nunca pensei que o sobrenatural seria tão natural aos meus olhos, e não pensava que era tão complicado matar um zumbi, já que ossos, carne e nervos são muito difíceis de se cortar com um machado. Aos poucos vamos nos aprimorando, aprendendo a usar armas diferentes, até nos permitimos nos entreter em alguns momentos.

Mas não no primeiro dia, quando todos à sua volta estão transformados em desmortos e você acha que é o último ser humano vivo na terra. Sem mais esposa, sem mais filhos, sem mais pais. Apenas dentes, vísceras e carne podre vindo em sua direção, e nada mais faz sentido. A praga levou de mim Lenora, minha mulher, que tive que esfaquear na cozinha até a morte definitiva. Levou Augusto, meu filho, um bebê no berço, em cuja cabeça eu cravei a mesma faca com que havia matado sua mãe. Naquele primeiro dia aprendi que as palavras que eu usava como pastor de ovelhas no altar, durante os casamentos, são mais que verdadeiras. “Até que a morte nos separe”. A morte separou Lenora de mim, levou embora Augusto e levava embora todos meus vizinhos e amigos. Não encontrei um sobrevivente sequer no primeiro dia, mas sabia que haveriam bolsões de vivos em algum lugar, e, depois de ler tanta literatura nerd, Kirkman e Adlard, Romero, Robert Rodriguez e Zack Snyder, eu fazia uma ideia do que tinha que fazer.

sábado, 28 de maio de 2011

capítulo 1

Cercado pelos desmortos eu poderia tentar lembrar de alguma coisa mais interessante, assim como o coronel Aureliano Buendia à frente do pelotão de fuzilamento que deveria mata-lo, que lembrou-se de reminiscências de infância, pensou no gelo e em muitas coisas que marcaram sua vida. No entanto, diferente do coronel de Cem Anos de Solidão, diante dos defuntos que me cercavam, tudo em que eu pensava era em estar nos braços de Renata mais uma vez, ainda que fosse só por alguns minutos antes de morrer nos dentes daqueles zumbis fedidos. Tudo o que eu queria era a pele branca, os cabelos pretos e os olhos doces de Renata em mim mais uma vez. No entanto, com aqueles desmortos à minha volta, a possibilidade de ter aquilo que eu quero novamente para mim se torna impossível, levando em conta que, bem provavelmente, quando as balas acabarem na pistola, eles me tomarão para si e me levarão ao inferno deles, para viver como eles, uma vida de morte constante. Pobres diabos eram aqueles em quem eu atirava agora, já mortos, condenados a andar sobre a terra em busca de carne humana viva enquanto eu, em busca da sobrevivência, estava em desvantagem numérica. É. Não sou um grande filósofo como o Aureliano do Gabo, mas, assim como Kafka, posso dizer, em uma frase, o que aconteceu com o mundo.

Um dia, Ernesto acordou e viu que os vivos haviam se metamorfoseado em zumbis.