quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 25

Conhecendo a alma jornalística, logo imaginei que ela seria a primeira a tentar fugir sozinha, e foi exatamente o que aconteceu. Ela correu por um corredor que julgou ser mais seguro que os outros, penando que ia conseguir sair do shopping. Desceu de um pulo para o andar inferior e foi cercada de desmortos. Conseguiu contra-atacar durante quase quinze minutos, abrindo caminho entre os zumbis. Porém, o corpo pede descanso, e o dela estava exaurido. Quando chegou em seu limite, o braço não aguentava mais bater em crânios de defuntos e ela acabou caindo no chão, exausta. Estava a cinco metros da porta quando recebeu a primeira mordida no tornozelo. A partir daí, a dor não importava mais.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 24

Patrícia era outra depois do evento na loja de departamentos. Coberta de sangue, a menina batia com violência nos desmortos, sem medo, apenas nojo, esgar e agressividade. Claudemir olhou para ela e olhou para mim sorrindo. O que acontecera nos provadores a transformara de adolescente quase inútil em sobrevivente determinada.

Situações extremas nos ensinam a crescer. Ser cercado por zumbis sem ver chance de sobreviver a fez entender o que realmente tinha valor na nova ordem mundial. O hype era estar vivo e, como modista que era, ela faria de tudo para estar por dentro da nova onda.

Janaína ia  monitorando os sinais do seu Marcos enquanto o carregávamos pelos corredores do shopping até a porta de saída nos corredores traseiros. Com a escada estreita que tínhamos lá, fiquei me perguntando como conseguiríamos carregar a maca com velocidade e eficiência. Não havia como, mas eu não queria lidar com esse problema até chegarmos lá. Bastava um perímetro bem montado à frente e atrás da maca para conseguirmos vencer o desafio dos três lances de escada.

Foi quando chegamos na porta que vimos que a situação era uma verdadeira calamidade. Os zumbis subiam pelo acesso. Nossa rota de fuga estava coberta de desmortos e nós ficávamos mais fechados a cada passo, a cada tentativa de avanço. Os desmortos haviam nos trancado em uma armadilha. Era madrugada e eu não via como poderíamos sobreviver.

Largamos a maca de Marcos no chão, pegamos as armas e partimos para cima. O perímetro tinha que ser estabelecido. Não tínhamos tempo a perder e nossas vidas estavam em jogo. Patrícia acompanhava Renata de um lado enquanto eu, Marcos e Angélica atacávamos do outro. Ao lado da maca estavam Janaína, monitorando o velho, Claudemir, rechaçando os zumbis que invadiam o nosso espaço e Alberto o ajudava pelo flanco. Não tínhamos uma estratégia. Eu não havia pensado em nada. Aquela situação era totalmente nova e imprevisível. Eu queria apenas que saíssemos de lá, que encontrássemos uma rota de fuga. Eu tinha medo, mas precisava me conter. Como diria Renata, eu não podia mostrar meu medo para eles.

Puxei o facão e cortei a cabeça de uma moça de pouco mais de vinte anos. a cabeça dela rolou até os pés de um velho que vinha se aproximando de onde estava Verônica...

Espere... Onde estava Verônica?

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 23

Era noite, madrugada. No relógio de Claudemir, duas da manhã. Havia um sereno leve na avenida e um ventinho fresco que batia. Para mim, que vinha do sul, aquilo não era frio. Para eles, era gelado. Nos reunimos da forma como pudemos perto da saída. Eu falei.

_ Vamos sair daqui todos juntos, de uma vez. Eu e Claudemir vamos começar carregando seu Marcos. Depois, o Marcos de Angélica e o Alberto assumem. Todos vão carregar bastões, facões ou alguma arma, entendido? Nada de tiros, pois isso os atrai. Vamos juntos. Ninguém se afasta, ninguém corre, todos vão andando. Se conseguirmos caminhar com tranquilidade, chegaremos à estação de energia em mais ou menos uma hora e meia. Lá dentro, vamos procurar um lugar para ficar, depois, vamos limpar o lugar e transforma-lo em nossa casa. Alguém tem alguma pergunta? Não. Ótimo, então vamos.

_ Peguem o que for essencial. Depois formamos equipes de busca para pegar o que faltar. A priore, apenas o que é essencial.

Cada um fez sua mala e em quinze minutos éramos um grupo armado de excursão. Claudemir carregava seu martelo e uma pistola 9 mm. Eu levava o 38, a glock, o facão e um rifle que tínhamos pegado na delegacia. Renata com um bastão de beisebol, a shotgun e uma pistola, 9 mm também. Angélica levava um dos cacetetes enquanto Marcos, seu esposo, levava um 38. Verônica levava o outro cacetete e Janaína ficava monitorando o seu Marcos. Patrícia estava com um taco de golfe e um 38 e Alberto levava uma carabina e um facão. Além disso, todos tínhamos mochilas com os víveres que pudéssemos levar. Nas malas de todos, comida, roupas, tudo o que podíamos carregar.

_ Vou sentir falta de comer hamburger todo dia, disse Marcos.

_ Que nada... já estava ficando gordo, viu? Vai ser bom mudar a dieta, respondeu Angélica.

Eu e Claudemir carregávamos a maca de seu Marcos enquanto os outros iam a nossa volta. A ordem era matar qualquer desmorto que aparecesse, tirar do caminho qualquer obstáculo. Não tínhamos tempo a perder. Se não chegássemos à saída o mais rápido possível o andar estaria infestado e nós não sairíamos dali.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 22

Na porta do provador, começamos o massacre. Eu cortava o que podia com o facão. Puxei uma mulher para trás pelos cabelos e golpeei no pescoço, cortando até a metade. no segundo golpe a cabeça dela ficou na minha mão e a joguei para o lado.

Claudemir batia com o martelo na cabeça de um homem negro de cabelos raspados. Dava para ver o crânio do homem esfacelando enquanto a ferramenta afundava cada vez mais, até que o homem parou, caiu de joelhos e ficou por lá.

Marcos e Alberto tentavam ajudar de alguma forma, mas os tacos eram muito grandes para o espaço reduzido em que estávamos. Marcos gritou para Patrícia.

_ Patrícia, você foi mordida?

_ Não. Me ajuda! Socorro!

Ela estava desesperada, e nós também.

_ Sai todo mundo da frente! Patrícia, se encolhe o máximo que puder!

Era Renata gritando. Nos afastamos e ela atirou. Três tiros de escopeta foram o bastante para derrubar oito desmortos, que se juntaram a outros tantos no chão. A escopeta tinha uma grande vantagem. Apesar de não matar os zumbis, é uma arma que os derruba, por conta do impacto que as balas oferecem. Com os três tiros os zumbis caíram e estavam expostos. Prato cheio. Continuamos a matança até eliminar o último e abrir a porta do provador. Patrícia vestia um macacão ensanguentado. O corpo todo estava coberto de sangue e pedaços de carne podre. Mas nenhuma mordida.

Ela saiu em silêncio do provador. A roupa, coberta de sangue velho, os cabelos perfeitamente desalinhados. Renata se aproximou e a abraçou. Foi o bastante para a menina começar a chorar.

_ Nós não temos tempo. Você precisa se trocar e nós precisamos arrumar tudo para ir embora. Você consegue?

Ela fez que sim com a cabeça enquanto limpava as lágrimas com as mangas. Olhou-nos com o rosto sujo do sangue que havia na manga do macacão.

_ Eu não vou mais chorar por estas porcarias. Não vou mais. Nunca mais.

Saiu enquanto eu, Claudemir, Marcos e Alberto tentávamos conter a subida de mais desmortos pela escada rolante. Ficar não era mais uma opção.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 21

_ Ernesto, precisamos de você na praça de alimentação.

Fomos correndo para a praça de alimentação. No vão livre das escadas rolantes, que haviamos destruído, uma surpresa. Aleatoriamente os zumbis haviam formado uma pilha e amontoavam-se uns sobre os outros. Os que estavam mais altos começavam a tocar os dedos podres no beiral do piso.

_ Quando foi que começou?

_ Não sabemos. O Claudemir que viu isso agora há pouco.

_ Se eles estão fazendo aqui, isso quer dizer que podem estar fazendo em outros lugares também.

Enquanto eu falava isso, um grito ecoou de um dos corredores. Era Patrícia, que devia estar em alguma loja experimentando roupas.

Corremos armados na direção do grito. Quando chegamos em uma grande loja de departamentos vimos os primeiros desmortos saindo de lá de dentro. Puxei o facão. Nos corredores havia espaço o bastante para conseguirmos mata-los sem gastar balas. Claudemir usava um martelo e Alberto e Marcos, que viera correndo e chegara antes, os bastões de beisebol.

Haviam uns quinze zumbis entre nós e a multidão de frente para o provador. Eles forçavam as paredes de madeira enquanto Patricia gritava de terror lá dentro. Abri caminho entre um homem vestido com um terno finíssimo e uma menina de doze anos que não tinha metade do rosto e tinha parte do cérebro exposto. a massa era amarelada, com pontos pretos, como que atrofiados. Nada parecido com o aspecto que eu imaginava ter um cérebro saudável, que eu via rosado nas fotos. Desci o facão sobre a cabeça do homem enquanto Claudemir cravava o martelo naquele pedaço de massa exposta da menininha. corri para os provadores quando senti mãos pegando meu pé e me derrubando.

Era um homem gordo de meia idade e meio corpo. de entre suas costelas surgiam seus órgãos internos e ele tentava se esticar para me pegar. Eu tentava me desvincilhar dele e o chutei com a bota, amassando os ossos de sua face com tanta força que chegou no cérebro. Eu o havia matado aos chutes e, para terminar, levantei o pé e desci o calcanhar com força sobre a nuca.

Ainda sentado vi Marcos lutando contra uma mulher que tentava lhe morder. Ela não tinha os olhos. Com o facão ainda na mão, golpeei na canela dela, quebrando um dos ossos e desequilibrando-a. Ela caiu sobre uma arara e Marcos a golpeou com força. os miolos se espalharam sobre as camisas masculinas.

_ Fico te devendo mais essa Ernesto.

Ele me levantou a tempo de eu ver os desmortos subindo pela escada rolante da loja, que tinha dois andares. Dentro do provador Patrícia ainda agonizava. Não sabíamos se ela havia sido mordida ou não, mas tínhamos que tentar salva-la. Cada vez mais haveriam mais desmortos chegando ao andar em que estávamos. Eles haviam conseguido escalar uma pilha de zumbis acabaram chegando até nós. Para eles era hora do banquete, para mim, hora de ir embora dali.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 20

Eu precisava me preocupar com preparativos. Enquanto os desmortos tomavam todo o térreo, eu e Renata ainda procurávamos uma forma de chegar à subestação de energia de Tambauzinho. Atravessar aquele pedaço da cidade ia demorar mais que o esperado, então, decidimos que teríamos dois pontos de apoio no caminho. Em uma situação normal a distância entre o Retão de Manaíra e a avenida Epitácio Pessoa era coberta por pedestres em cerca de vinte minutos. Com todos os carros e zumbis no meio do caminho, e com um grupo de dez pessoas, sendo um homem hospitalizado, este tempo seria muito maior.

Foi Renata quem sugeriu que tivéssemos pontos de apoio, e fôssemos levando o grupo aos poucos para o ponto final.

_ Assim conseguimos tempo e mobilidade. A transferência toda pode levar de um a dois dias.

Concordei com a ideia. Era realmente muito boa. Assim como Renata. Policial há muito tempo, sabia lidar com as pessoas. Líder nata, permiti que assumisse um papel preponderante dentro do grupo, que já me considerava seu líder natural. Renata era uma pessoa estratégica, pensava passos à frente, sabia o que precisávamos e passava segurança para o grupo.

Eu e ela estudávamos tudo o que podíamos sobre zumbis e formas de sobrevivência. Conversávamos enquanto eu lia Max Brooks, e seu "Guia de Sobrevivência aos Zumbis", com dicas de como enfrentar os desmortos. Por causa das dicas de Brooks eu havia trocado minha arma primária da pistola para um rifle, muito mais fácil de apontar e atirar. Renata lia "Apocalipse Z", de Manel Loureiro, espanhol que havia lançado um blog onde contava uma possível infestação zumbi de dimensões mundiais.

_ Quando a coisa começou, foi mais ou menos como ele fala aqui. Ninguém queria admitir que enfrentávamos um problema maior do que eles mostravam. Havia muitos boatos, rumores. Ninguém sabia de onde haviam vindo os desmortos. Na delegacia as ordens começaram a mudar muito rápido e um dia recebemos um relatório onde davam ordens para que andássemos em duplas, sempre, com armas engatilhadas e que atirássemos na cabeça de qualquer pessoa que apresentasse comportamento estranho.

_ Quanto tempo demorou para a infestação chegar a João Pessoa efetivamente?

_ A coisa começou na Ásia. Na China, na verdade. A porta de entrada no Brasil foram os portos de Santos e Suape, em Pernambuco, por isso o Nordeste caiu primeiro. Santos eles isolaram durante um tempo. Alguns dias.

_ Eu tinha um amigo de lá de perto que sobreviveu. Até dias atrás.

_ Pois é. Algumas pessoas conseguiram sair, mas outras não. A Força Aérea destruiu as pontes de acesso da cidade.

_ Mas no Recife não conseguiram fazer isso?

_ Não. O Porto de Suape foi tomado rápido pelos zumbis. Quando a gente viu, um caos, um pânico muito grandes. A praga se alastrou rápido e alcançou as grandes capitais por causa dos motoristas de caminhão que haviam chegado a Suape e achavam que a mordida que haviam levado era coisa de gente louca e que não havia nada demais. Erro. E ninguém nos falava o que estava acontecendo. Comecei a achar estranho quando recebemos este relatório mandando atirar na cabeça de qualquer pessoa que apresentasse comportamento zumbi.

Renata tinha os olhos muito abertos. Aquela história a incomodava. Foleou o livro.

_ Engraçado imaginar que este cara pode estar neste momento postando da Espanha, sendo um sobrevivente.

_ Ele estava em Nova Iorque quando a coisa aconteceu. Eu acompanho o blog dele por aqui. É bem diferente quando a coisa é real e está à nossa volta. As pessoas começam a pensar de forma diferente sobre o mundo. Ele está mais desesperado, preso em um edifício em Manhatan. Semana passada eles estavam ficando sem alimento.

_ Você acha que vai dar certo irmos para lá?

_ Para a estação? Claro. Aqui é que não vamos durar muito. Não temos condições de crescer, plantar, nos proteger. Já tem uns seiscentos zumbis lá em baixo e nós temos apenas uma saída possível. Não podemos manter o perímetro aqui.

_ Você serviu no exército? Você sempre usa termos militares.

_ Fui capelão no Haiti durante a ocupação das forças de paz da ONU, logo que me formei na faculdade de teologia. Ficava com os soldados, mas nunca peguei em uma arma na vida.

_ Até agora.

_ Até agora.

_ Nunca havia matado alguém?

_ Até agora.

_ Como você se sente?

_ Neste mundo? Não me sinto um assassino. Acho que ajudei o Lúcio de alguma forma. Mas pesa te-lo matado. Sempre usei minhas mãos para trazer vida, de alguma forma. Nunca para tira-la.

_ A primeira vez que eu matei acabei ficando assim também. Ele era um assassino treinado. Mas você entende que faz parte do seu dever, faz parte do seu trabalho fazer isso. Nós temos que fazer o que temos que fazer, feliz ou infelizmente. Nenhum de nós está preparado para tirar a vida do outro.

_ Quero crer que Deus vai entender o que eu fiz.

_ Você tem o direito de ter dúvidas, Ernesto. Só não tem o direito de deixar que eles as vejam.

_ E você? Você pode enxergar minhas dúvidas? Meus defeitos?

_ Eu olho para você e vejo além desses defeitos e dessas dúvidas. Você é um grande líder. Está lidando com um grande problema e está lidando bem. Agora, chega de ficar achando que não é bom o bastante para isso. Você é sim.

_ Obrigado, Renata. Mas se eu não fizer esta cara, que charme vai me restar?

_ Acredite em você. Não existe melhor charme do que autoconfiança.

Ela me olhava com aqueles longos olhos castanhos escondidos atrás dos óculos. Não conseguia tirar os olhos dos olhos dela. Lembrei dos olhos de ressaca de Lenora, mas logo os apaguei e vi que, diferente do fluído misterioso que eu encontrava nos olhos de minha ex-esposa, era no fluído ainda mais misterioso dos olhos de Renata em que eu queria mergulhar agora. Me aproximei dela e toquei seu rosto com a mão. Ela não tirava os olhos de mim.

Alberto chegou correndo nesta hora.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 19

O térreo estava tomado por zumbis. Os grunhidos e gemidos que emitiam ecoavam pelos corredores vazios do primeiro andar e chegavam à praça de alimentação e às lojas onde estávamos abrigados. Eu não enxergava alternativas além de nossa saída dali. A presença deles, seu cheiro, impregnando a comida, o som de suas vozes se sobrepondo à música de elevador que tocava, tudo ia tirando-nos do sério. Havia apenas dois dias que eles haviam invadido o térreo. Já havíamos limpado os corpos e tentado diminuir a sujeira nos corredores, mas tudo continuava igual e o número de zumbis ainda continuava crescendo.

A primeira coisa que fizemos foi mudar da praça de alimentação para o andar dos cinemas. as portas de acesso ao cinema eram mais reforçadas e havia mais rotas de fuga que os desmortos ainda não haviam alcançado. Nos fundos do cinema, uma saída de incêndio dava pleno acesso à cidade. saíamos de frente para o viaduto da BR, virando à esquerda e correndo cerca de cinquenta metros já estávamos em ruas limpas de zumbis, onde poderíamos andar calmamente.

No primeiro piso, Marcos olhava por um parapeito quando cheguei ao seu lado.

_ Da última vez que contei eram duzentos e trinta.

_ Alguém que você conhecia?

_ Isso é assustador, não é? Pensar que muita gente que eu conheço, inclusive meus pais, meu irmão e minha filha se transformaram nisso... estou com medo, Ernesto.

_ Todos estamos, Marcos. Eu também não quero ir lá fora, mas temos que ir, saber o que está acontecendo, encontrar um lugar mais seguro para nós. A comida é farta aqui, mas vai chegar uma hora que a situação vai mudar e nós vamos precisar encontrar alternativas.

_ Mas isso ainda vai demorar.

_ Mas aquilo ali em baixo não. E por mais difícil que seja para você encarar estes monstros, preciso que esteja menos vacilante do que estava ontem.

Marcos abaixou a cabeça. Ele sabia do que eu estava falando.

_ Desculpe, Ernesto. Não vai acontecer de novo.

_ Espero que não. Todos precisamos de todos aqui. Ninguém é melhor e muito menos pior do que ninguém. Não podemos nos dar o luxo de perdermos as vidas neste lugar. E para garantir minha retaguarda eu preciso de você e de Angélica. E ela tem que entender, Marcos, que não temos alternativa a não ser nos apoiarmos uns nos outros.

Ele olhou para os desmortos e riu.

_ Eu vi meu chefe sendo comido por estes malditos. Só havia duas coisas em que eu pensava no início desta merda toda. A primeira, minha mulher e minha filha. Precisava ve-las, saber que estavam bem. A outra coisa era que eu queria ver aquele porco sendo comido pelos malditos zumbis. Ele era um monstro, e eu vi os zumbis comendo ele, na sala dele, em cima daqueles malditos papéis da receita federal que ele nos obrigava a adulterar. Não vou mentir, Ernesto, eu senti um prazer muito grande de ver aquilo, e saber que ele estava consciente de que eu estava vendo.

Fiquei calado ao lado de Marcos. Aquilo era doentio, mas eu não podia censura-lo. Não tinha o direito de critica-lo. Vivíamos em um mundo novo, afinal de contas, com novas regras e leis. Pensei sobre ter matado Lúcio, ter tirado a vida dele e pensei na pergunta que ele havia me feito. “Você não acredita mais em milagres?” A resposta era um sonoro “não” dentro da minha cabeça, mas em meu coração, ao contrário, ainda queria acreditar.

_ Não conta nada para a Angélica, por favor. Não quero que ela saiba deste meu lado... psicopático.

_ fique tranquilo. Isso morre comigo. Me diga uma coisa... você se sente mal por ter ficado feliz ao ver seu patrão morrer?

Ele pensou.

_ Não. Ninguém merece este destino triste. Mas se tinha alguém que eu não queria neste grupo era ele. Egoísta, só traria problemas para nosso grupo.

_ E sua filha? Como foi?

_ Não fala sobre isso com a Angélica, também... a Julia aconteceu logo no começo da praga, mas ela escondeu da gente. A gente não conseguia se comunicar com ela, e ela ficava trancada naquele quarto. Só notamos quando ela já estava desacordada. Não tive oportunidade de dar tchau prá minha bebê. eu... eu...

Ele desatou a chorar e tudo o que eu podia fazer era consola-lo. Abracei Marcos enquanto ele chorava. Mais que pena daquele homem, sentia uma profunda preocupação com sua alma e com suas mãos, que já carregavam pesos demais.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 18

Nos dias seguintes expliquei para Renata meu plano. Ela concordou que a melhor opção que tínhamos para sobreviver era encontrar um lugar mais seguro para ficarmos, com menos acessos, uma casa fechada, com muros altos, ou um prédio público que fosse como uma fortaleza.

_ A base da Energisa em Tambauzinho é uma ótima opção, sugeriu Renata.

_ Tem um mangue nos fundos, o que dificulta o acesso, é completamente cercado por muros altos, tem dois portões de ferro grossos, largos e seguros, fornecimento contínuo de energia elétrica e é perto de tudo, eu disse.

_ Só o que precisamos fazer é limpar o perímetro. Em alguns meses podemos ter uns quatro ou cinco quarteirões limpos e cercados, se conseguirmos conduzir a coisa de forma segura, completou Renata.

Alguns elementos do grupo ainda não acreditavam no plano e achavam que ficar no shopping era o mais seguro. Marcos era um deles. Mas eu via que não se tratava da opinião dele, e sim da esposa, Angélica, que sempre resistia ao nosso plano. Ela tinha medo de ir para fora. Patrícia também não se mostrava muito animada com a ideia de deixar o shopping onde ela conseguia coisas tão maravilhosas com as quais se vestir. No entanto eu via, por trás daquele jeito fútil, uma vontade irascível de viver.


Sentei-me do lado dela um dia para saber se minha impressão era real.


_ Como você está?


_ Enquanto estivermos vivos eu estou bem. O importante é continuar vivos, não é?


_ Mas como você ficaria sem todas estas roupas da moda e estas coisinhas que você tanto gosta?


_ Sabe, pastor, eu só uso isso tudo para passar o tempo. Afinal, de que adianta tudo isso? Eu não tenho para quem me vestir. Não tenho amigas para me invejarem, namorado para me desejar, pais para se irritarem com o que eu visto. Isso tudo perdeu o sentido. Mas é o único hobbie que eu tenho, então, vou seguir com isso. Olha para a Janaína. Ela tem o hobbie dela que é cuidar do seu Marcos. Ela tem com o que passar o tempo e ocupar a cabeça enquanto esses monstros tentam nos comer.


_ Fico feliz que você esteja bem. Se precisar de alguma coisa para ocupar a cabeça, pode contar comigo que te arranjo algumas tarefas dentro do grupo. Isso pode ser bom para você.


_ Ok. Se precisar eu estarei por aqui.

Nesta hora eu ouvi um estrondo vindo do térreo. um baque surdo de metal se chocando contra pedra. eram as portas de correr que caíam no chão enquanto uma multidão de desmortos invadia o shopping pelas portas da frente.


A onda confluía para as escadas rolantes. Nas escadas regulares nós já tínhamos feito barricadas fortes e quebrado degraus para impedir o avanço do grupo. Nas escadas rolantes, ao contrário, não tínhamos feito nada.


Angélica e Marcos se recolheram ao andar dos cinemas e ficaram lá enquanto os outros atiravam contra crânios, tentando impedir o avanço dos zumbis. Em um dos corredores, corredores avançavam contra nós. Peguei um taco de beisebol e esperei a chegada de um deles. Alberto, do meu lado, esperava por outro com um machadinho na mão. Batemos quase ao mesmo tempo. a lâmina do machado de Alberto cravou-se na cabeça do desmorto e espalhou sangue, ossos e cérebro por todos os lados, respingando até em mim. Do meu lado, a paulada que eu dei no zumbi não acertou seu crânio, mas seu corpo, projetando-o contra a parede. Dei mais duas tacadas de cima para baixo, para terminar de quebrar a cabeça. a parede branca ficou marcada com sangue preto e pedaços de cérebro podre amarelado. o grupo que vinha depois era de cinco caminhantes.


Ainda não me acostumei a ver estes seres. Continuam sendo, para mim, algo nojento. Não apenas seu cheiro de carne podre, mas sua aparência é repugnante. Lembro que neste grupo que estava vindo havia uma moça que deveria ter sido muito bonita enquanto viva. Cintura fina, seios grandes, coxas grossas. Sua pele era cinzenta e ela tinha feridas abertas por mordidas por todo o corpo. Um dos seios havia sido arrancado e as costelas estavam expostas. metade do cabelo loiro, liso e comprido havia caído e a outra metade estava quase completamente coberta de sangue. Era uma mulher que, no mundo real, teria chamado minha atenção. Agora, arrastando-se no corredor do shopping, emitindo gemidos gruturais, tudo o que atraía era o taco de beisebol que estava em minha mão.



Foi difícil controlar os acessos. Alguns zumbis conseguiram subir ao nosso andar, alcançando a praça de alimentação. Tivemos que destruir as escadas rolantes para ficarmos seguros, mas aí ficamos restritos aos andares superiores do shopping. Não que faltasse espaço, mas nossos recursos começaram a ser mais e mais escassos. Sem contar que a presença opressora dos zumbis no térreo trazia uma série de preocupações como o cheiro podre que subia e o zumbido dos gemidos dos desmortos, que não parava de soar em nossas cabeças.

          Procuramos rotas de fuga alternativas e encontramos uma escada de incêndio que dava acesso para o outro lado do shopping, que não havia sido tomado pelos necrófilos. Tomei a precaução de manter esta escada sempre limpa, com caminho livre até a rua, para que pudéssemos sair o mais rápido possível.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 17

Renata me olhava curiosa.

_ O que está fazendo perdida neste mundo louco, investigadora Renata?

_ Detetive, repórter.

_ Pastor, detetive.

_ O tempo passa, não?

_ E muito rápido.

_ Está com algum grupo?

_ Sozinha. Estava em meu prédio presa até ontem. Fiquei sem alimentos e pensei se não poderia encontrar alguma coisa por estes lados. Quando vi a confusão, meu lado policial falou mais alto. Ainda bem que eu cheguei para ajudar vocês. Quantos vocês são?

_ Somos dez.

_ Nove, disse Claudemir, ainda de cabeça baixa.

_ Nove.

_ Então são dez. Posso entrar neste seu grupo?

_ Era o que eu queria que você perguntasse.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 16

Saindo da delegacia, vi, ao longe, alguns zumbis que haviam sido atraídos pelo barulho, mas que mais pareciam perdidos com o silêncio que se havia seguido. Estavam andando a esmo ao lado do shopping. Achei por bem não mexer com eles, deixando-os ali, longe, onde bem estavam.

Olhei a rua. Tinha cometido meu primeiro assassinato. Diferente do que imaginava, não me sentia mal por te-lo feito. Não estava feliz por Lúcio ter morrido, é verdade, mas, na situação em que estávamos vivendo, o que nós poderíamos fazer. Claudemir controlava o choro, olhando para mim e concordando. Um assassinato apoiado pela sociedade, como se eu tivesse o poder de decidir a vida das pessoas à minha volta.

Comecei, ali, a assumir a postura de líder que eu precisava ter dentro do grupo. As pessoas começaram a me olhar com confiança a partir daquele momento. Do lado de fora do shopping, olhando o grande prédio cinza, cheguei à conclusão que não podíamos mais ficar ali. Era necessário ir embora, encontrar outro lugar para nós, para nosso pequeno grupo de sobreviventes poder, realmente, voltar a viver. Lutar para viver.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 15

Diante da fé de Lúcio, me senti ridículo. Era a segunda vez que demonstrava insegurança diante de uma situação que eu deveria ser a pessoa que mais tinha controle ali. Orei com Lúcio enquanto Renata cobria nossa retaguarda e Claudemir chorava. Quando terminei, levantei.

_ Lúcio, eu poderia tentar extirpar seu braço, mas já faz tempo que aconteceu o ferimento, então, não acredito que vá te causar algo mais que dor e tristeza.

_ Eu já estou sentindo a coisa correndo dentro de mim.

_ Eu sei que você não quer que eu te mate. Eu vou respeitar sua vontade, mas não podemos deixar que você volte para dentro do shopping. Você entende?

_ Entendo.

_ Eu garanto que vou voltar aqui para te matar quando você renascer.

_ Entendo pastor.

Saí da sala enquanto Lúcio chorava.

Não aguentei.

_ Lúcio. Eu menti.

Apontei a pistola para a cabeça dele e atirei. Um tiro certeiro, no meio do cérebro. A parede atrás dele recebeu os respingos de sangue e massa encefálica. Abaixei a arma. Saímos em silêncio. Claudemir sabia que o que eu fizera era o certo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 14

O sangue pingava do pulso dele, que olhava desesperado para a ferida. Cheguei perto para ver o que havia acontecido. A mordida era profunda e Lúcio já ardia em febre e a ferida começava a necrosar.

_ Pastor, eu sei o que vai acontecer.

_ Eu não sei o que dizer, Lúcio. Não sei mesmo.

_ Faz tempo que o senhor começou a duvidar de milagres? Hehehe... eu mesmo poderia dizer que creio, mas não sei. Tudo o que sei é que estou morrendo e não quero este destino para mim.

Claudemir chorava ao meu lado. Lúcio o olhou.

_ Calma, Claudemir. Isso é só uma mordida. Nada demais. Um cachorro faria mais estrago.

Ele tossiu. Eu queria saber quanto tempo demorava a transformação, mas não queria expor Lúcio àquele risco. Sua pele já estava pálida e seus olhos fundos. Ele queimava em febre e transpirava muito. Na ferida, comecei a ver os primeiros sinais de necrose, tecido morrendo e cheiro forte de sangue podre.

_ Lúcio, você quer que nós façamos alguma coisa?

Ele olhou para a minha arma.

_ Você quer dizer... se eu quero que algum de vocês me mate?

_ Isso.

_ Suicidas não vão para o céu, pastor.

_ Lúcio... com tudo o que está acontecendo, vocẽ ainda acha que existe um céu?

_ Ah, pastor Ernesto... você ainda acha que não? Você sempre falava que Deus nos provava de formas diversas. Você acha que isso tudo não é uma prova? Isso vai contra tudo o que pensávamos que era certo, mas as razões de Deus são mais profundas que as nossas, não são? Não entendemos seus desígnios. Eu ainda acredito em um céu e um inferno, Ernesto, e sei que Deus está me esperando no céu. Eu me arrependo de meus pecados. Ore por mim, pastor. Por favor, ore por mim.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 13

Preciso fazer um parêntesis nesta hora. Poucas coisas são tão sexyes quanto uma mulher segurando uma shotgun. Ainda mais quando ela sabe o que está fazendo. E esta era Renata, investigadora da Delegacia de Homicídios que eu conhecia do meu tempo de repórter policial. Pequena, cabelos pretos, compridos, sardas no rosto e um óculos de armação grande. Calça jeans surrada e jaqueta de couro já coberta de sangue. Com os tiros da 12 ela não matava todos os zumbis, mas os afastava e derrubava por tempo o bastante para respirarmos e pensarmos em uma estratégia.

Me levantei a tempo de ver os dois corredores que invadiam o recinto e saltavam na direção dela, que carregava a arma. Vi o terror nos olhos bonitos da menina policial. Foi o tempo de bater com o bastão de beisebol, de cima para baixo, derrubando o primeiro e no retorno, de baixo para cima, jogando o segundo para trás. Ela me olhou me recuperando do esforço. A troca de olhares foi curta, mas intensa o bastante para eu saber que o que eu sentira por ela na minha época de jovem repórter em João Pessoa podia ter sido recíproco. Mas surgiu Lenora no caminho, e eu acabei deixando aquele possível investimento de lado.

A contagem de corpos foi alta. Trinta e cinco desmortos caídos. Batemos na porta atrás da qual estava Lúcio. A situação já estava sob controle.

Exceto dentro da sala onde o jovem estava segurando sua mão que pingava sangue. Ele havia sido mordido.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 12

Lúcio não havia fechado a porta da frente e os três zumbis que estavam comendo a moça do lado de fora tinham vindo em nossa direção. Isso chamara a atenção de outros zumbis que estavam na rua, perdidos e de uma coisa que era mais perigosa que qualquer um dos outros zumbis.

Um corredor.

Só ouvimos os gritos de Lúcio chamando por socorro e o barulho de uma porta fechando. Claudemir pegou uma pistola, carregou e foi para a outra sala. Eram cerca de vinte desmortos lutando contra a porta que Lúcio fechou atrás de si quando se escondeu.

Claudemir apontou para o que estava mais perto de nós. O barulho do tiro foi alto, e o estampido surdo. A cabeça do desmorto explodiu enquanto os outros começaram a vir em nossa direção.

Claudemir era um atirador frio, mas seu pente só tinha dez balas. Ainda sobravam dez desmortos e mais os que estivessem do lado de fora e ouvissem a bagunça. Preparei o facão e avancei. Fatiei o crânio de um enquanto afastava outro com o bastão de beisebol. Um terceiro avançou contra mim tentando morder meu peito. O colete deu conta dele, quebrando alguns dentes. Cravei o facão em sua cabeça de cima para baixo. Deixei o facão ali e peguei o 38. Seis tiros que eu precisava que fossem bem dados. Claudemir não perdia uma bala, eu não podia ficar para trás. Atirei.

A primeira bala atravessou o nariz de uma mulher que vinha em minha direção. A segunda se alojou no braço de um garoto de boné, que veio para cima de mim.

O terceiro tiro foi no rosto dele mesmo, que caiu para trás impedindo a vinda de mais dois zumbis que queriam minha carne. Foi aí que vi a coisa que mais me assustou naquela situação toda. Dois policiais da Rocam.

De capacetes.

Ambos partiram para cima de Claudemir, que se esquivava como podia dos ataques, atirando a esmo contra os capacetes, que pareciam intransponíveis.

Corri para ajuda-lo, batendo na espinha de um dos dois policiais, que caiu no chão. O outro se virou na minha direção antes que eu pudesse fazer o mesmo. Era um homem forte, um oficial da lei, vestido com sua farda completa. Claudemir tentava matar outros que ainda entravam. Vi meu fim chegando naquele momento.

Foi quando ouvi a 12 sendo armada e o tiro, que deixou um zumbido batendo no meu ouvido enquanto o capacete, a cabeça, o cérebro e tudo do “zumbicop”, o desmorto do futuro, caíam para o lado.

_ Este não te incomoda mais, amigo.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 11

Uma coisa que eu havia notado é que havia muitas crianças desmortas. Velhos também. Eram as pessoas mais indefesas em uma guerra como esta. Agradeci a Deus por ter matado meu filho e evitado que ele sofresse deste mal.

Entramos devagar na delegacia. Eu carregava o bastão de beisebol enquanto Lucio segurava um dos cacetetes e Claudemir ia com um martelo. Todos nós tínhamos uma arma na cintura, mas eu sabia que precisávamos de armas mais apropriadas. Carabinas, armas de concussão, como cacetetes e roupas de proteção. Não havia ninguém na delegacia, vazia, ao que tudo indicava, desde o início da rebelião. Olhei no prontuário e o último boletim de ocorrência era de antes da evacuação da cidade.

Claudemir gritou de lá de dentro.

_ Dá uma olhada nisso aqui!

Quando cheguei, parecia um pequeno paraíso. Era o almoxarifado da Rocam, a tropa de motocicletas da Polícia Militar. Carabinas, rifles, pistolas automáticas, revólveres, coletes a prova de bala, espingardas 12 e muita munição. Cacetetes e facões, que eram fundamentais nessa hora.

E justamente nessa hora é que as coisas começaram a ficar feias mesmo.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 10

_ A primeira coisa que temos que fazer é conseguir armas. Aqui do lado tem uma delegacia. Nós vamos até lá para conseguir alguma coisa. Um grupo pequeno. Alguém se oferece para me acompanhar?

Claudemir e Lúcio levantaram as mãos. Alberto iria também, mas eu impedi.

_ Preciso de um homem aqui junto do Marcos para proteger as meninas caso aconteça alguma coisa com a gente.

_ Você acha que pode acontecer alguma coisa com vocês?

_ Este é um mundo louco, meu amigo. Tudo pode acontecer conosco.

A preparação foi rápida. A delegacia era na mesma rua que o shopping. A 12a de Manaíra. Lembro de quando eu cobria polícia que os delegados dali nunca tinham informação sobre nada. Natural. A indicação das lideranças da polícia na região sempre era o “nada a declarar”. A incursão poderia ser muito fácil. Os zumbis estavam todos concentrados no retão de Manaíra. Haviam poucos naquele lado.

Saímos pelo estacionamento até o acesso leste do shopping. Foi ali que vi, pela primeira vez, zumbis comendo alguém. Era a cena mais repugnante que eu já havia visto. TrÊs desmortos se alimentavam de uma mulher que estava caída entre eles. A cabeça não existia mais. Um deles se alimentava do braço esquerdo da moça enquanto outro comia as tripas com vagar. Enquanto comiam, nem olhavam para nós. Passamos ao lado dos três. Claudemir ainda pensou em bater neles, mas eu achei que era desnecessário. A cena era repulsiva.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 9

Eles me olhavam calados enquanto eu falava. Expliquei que qualquer experiência humana de confinamento acabava mal. Precisávamos de espaço, mas também de segurança. Enquanto estivéssemos ali, tínhamos o espaço, mas faltava a luz do dia, a segurança em todas as portas, que, mais cedo ou mais tarde, podiam acabar cedendo à sanha dos desmortos.

_ Claudemir, tem muitos deles nas redondezas?

_ Uns tempos atrás eu fiquei lá em cima e contei quase duzentos, andando entre os carros, nas calçadas, alguns olhavam para dentro do shopping, vinham até o portão, entravam. Tem alguns ainda no estacionamento.

_ O estacionamento térreo tem quatro entradas para o shopping. Precisamos concentra-los em uma destas entradas para que possamos usar as outras como rota de fuga.

Marcos, esposo de Angélica, questionou o plano.

_ Espera aí... porque apenas não ficamos aqui dentro? Não precisamos sair coisa nenhuma. Esta estrutura aguenta o tranco. Podemos continuar aqui. Temos todo o conforto que precisamos.

_ Só que, mais cedo ou mais tarde, a comida vai acabar. Nós vamos ficar nervosos uns com os outros e vamos acabar fazendo besteiras. Sem contar que aqui não temos condições de fazer crescer nosso grupo. Só tem um jeito de ter sucesso em uma guerra contra zumbis e é contar com vantagem numérica, limpar um espaço, levantar um perímetro grande e seguro e começar a habitar aquele perímetro, sempre ampliando-o.

_ Isso é loucura. Você fala como se essa situação fosse definitiva.

_ Olha em volta, Marcos. Você acha mesmo que as coisas vão mudar? Acostume-se com o fato de que zumbis são de verdade e agora mandam no mundo.

Marcos ficou em silêncio.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 8

Fui à livraria para encontrar respostas e fazer pesquisa. Encontrei alguns livros que respondiam algumas perguntas, como o excelente “Guia de Sobrevivência a Zumbis”, de Max Brooks, da Editora Rocco. Lá, encontrei muitas das dicas que eu considerava como sendo essenciais para a sobrevivência. As armas certas, os esconderijos ideais, tudo estava ali. Nunca pensei que uma obra de ficção seria tão importante em uma situação real.

Outras obras com ligação com o universo romerista também chegaram às minhas mãos naquela hora. Apocalipse Z, de um autor espanhol, The Walking Dead, que eu já conhecia. Na verdade, todas estas obras já tinham passado por minhas mãos em algum momento. Olhando aquele acervo sobre desmortos eu cheguei à conclusão que eu era o maior especialista vivo sobre este assunto que eu conhecia. Zumbis sempre foram um dos meus assuntos favoritos. A metáfora da sociedade que encontramos nos filmes de George Romero, o convívio humano nas Hqs de Robert Kirkman, os caminhos para sobreviver que vemos em jogos como Resident Evil.

Tudo isso, agora, era referência que eu poderia usar a meu favor. E a primeira referência que eu precisava era Zack Snyder: Madrugada dos Mortos.

O filme se passava com sobreviventes em um shopping. Eu precisava ver o que eles faziam de errado para que tentássemos sobreviver da melhor forma possível. Evitar os erros dos outros sempre foi a melhor forma de crescer.

Peguei um exemplar de cada um destes livros para meus companheiros e pedi que lessem. Era tudo o que tínhamos naquele momento.

_ Mas como você sabe tudo isso?

_ Antes de ser pastor eu era um nerd. Na verdade, mesmo depois de me tornar um pastor eu nunca deixei de ser um nerd. São os assuntos que eu sempre gostei. De certa forma, minha mente sempre esteve preparada para este momento. Em algum lugar dentro de mim eu sabia que isso poderia acontecer um dia e estava preparado para encarar. Aconselho vocês a se prepararem para isso também. Precisamos encontrar um lugar mais seguro para ficarmos, um prédio menor, mais fácil de defender. Na Ruy Carneiro tem algumas construções muito boas, com muros altos, especialmente na subida perto do supermercado. Precisamos de armas, treinamento, suprimentos. Precisamos sair deste lugar o mais rápido possível e começar a pensar em como limpar as redondezas. Ficar aqui é assinar nosso atestado de óbito.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 7

Patrícia chegou do nosso lado e sentou-se. Tinha um cheiro doce, seus mais ou menos 20 anos e se vestia com o melhor que havia encontrado no shopping.

_ Acho que ninguém vai se incomodar se eu pegar uma coisinha aqui e outra ali, não é?

Fiz que não com a cabeça. Parecíamos todos tranquilos em relação ao fato de que não tínhamos outra chance que não ficarmos ali, esperando, enquanto tínhamos suprimentos.

_ Eu imaginei que mais gente viria para cá durante a insurreição, disse Alberto.

_ Na verdade, pelo que entendi, as pessoas confiaram nos boletins do governo. Isso sempre acontece. As pessoas acabam se ligando ao que a presidente fala, acreditando nisso de forma cega.

Verônica se aproximou a conversa.

_ Na verdade, as pessoas tentaram fugir de João Pessoa.

_ Onde foi o primeiro foco da praga?

_ Em algum lugar no leste da Europa. Falava-se em Praga ou Viena como sendo os primeiros focos. Ninguém entendia a doença. Só sabiam que era altamente contagiosa e severa, e que se espalhou com muita velocidade.

_ A coisa chegou na América pelos Estados Unidos e pelas forças da ONU que foram levadas aos focos iniciais. Os cientistas não sabiam que estavam lidando com zumbis.

_ Eu estava trabalhando na cobertura do São João, mostrando que João Pessoa ainda tem algumas festas, e tal, vim a uma rua aqui no Cabo Branco que ficava fechada, com fogueira e todas as comidas de milho. Quando cheguei na rua, tudo vazio. Estávamos eu, o motorista e o cinegrafista. O Russo, que carregava a câmera, deixou ela ligada o tempo todo. Não havia ninguém vivo na rua e alguns corpos estavam espalhados.

_ A coisa mais chocante foi uma criança, uma menina de uns dez anos de idade, vestida para a quadrilha, com saia rodada, chapéu de palha. Estava do outro lado da fogueira, e quando nos viu, veio correndo em nossa direção. Ela pulou por dentro do fogo e saiu de lá em chamas. O Macedo se aproximou dela querendo apagar o fogo, mas ela pulou no pescoço dele e o mordeu no rosto, arrancando uma parte da bochecha dele. Nesta altura ele já estava em chamas, gritando, enquanto eu e o Russo estávamos atônitos. O Russo foi pego por trás, por um homem vestido com chapéu de couro. Acho que era o cantador da quadrilha. Ele derrubou o meu cinegrafista no chão e tentou morder o pescoço dele. O Russo ainda lutou e eu chutei o desgraçado do zumbi longe. A gente tentou correr daquele inferno, mas eles começaram a sair das casas. E eles não andavam devagar. Vinham em minha direção com passos convictos.

_ O Rigor Mortis ainda não tinha se estabelecido e eles tinham acabado de morrer.


_ Acho que era isso. O Russo correu para um lado e eu para o outro. Não sei o que aconteceu com ele, mas eu acabei parando aqui no shopping. Era a única chance que eu tinha de sobreviver.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Livro 3 - Capítulo 6

Um mês desde que o mundo havia perdido o sentido. Eu discutia isso com Alberto enquanto tentava encontrar algumas folhas de rúcula na geladeira de um restaurante.

_ Apenas um mês atrás meu Fluminense estava ganhando do Avaí no campeonato brasileiro.

_ Apenas um mês atrás eu estava incitando meu povo a agir com cautela e cuidado durante a festa junina.

_ Quantos membros tinha sua igreja?

_ Éramos uma comunidade pequena. Apenas cem pessoas. Uma família, sabe?

_ Eu lembro da sua igreja. Vocês iam começar um programa de TV, não iam?

_ Não tinha dinheiro para isso. A gente mal conseguia pagar o aluguel da igreja, que dirá pagar um programa de TV. Mas que eu queria ter tido um, ah, isso eu queria.

_ Um mês atrás estaríamos tendo esta conversa e outro jeito. Eu ia querer apoiar um programa seu. Lembro que você foi repórter de TV, não foi?

_ Fui. Isso foi antes do chamado pastoral. Acho engraçado lembrar disso agora...

_ Acho que um programa seu daria certo.

_ Hoje eu não teria ibope, a não ser que oferecesse carne viva para a audiência.

_ E não era isso que faziam no nosso horário de almoço? Aqueles programas que mostravam os casos policiais?