Cercado pelos desmortos eu poderia tentar lembrar de alguma coisa mais interessante, assim como o coronel Aureliano Buendia à frente do pelotão de fuzilamento que deveria mata-lo, que lembrou-se de reminiscências de infância, pensou no gelo e em muitas coisas que marcaram sua vida. No entanto, diferente do coronel de Cem Anos de Solidão, diante dos defuntos que me cercavam, tudo em que eu pensava era em estar nos braços de Renata mais uma vez, ainda que fosse só por alguns minutos antes de morrer nos dentes daqueles zumbis fedidos. Tudo o que eu queria era a pele branca, os cabelos pretos e os olhos doces de Renata em mim mais uma vez. No entanto, com aqueles desmortos à minha volta, a possibilidade de ter aquilo que eu quero novamente para mim se torna impossível, levando em conta que, bem provavelmente, quando as balas acabarem na pistola, eles me tomarão para si e me levarão ao inferno deles, para viver como eles, uma vida de morte constante. Pobres diabos eram aqueles em quem eu atirava agora, já mortos, condenados a andar sobre a terra em busca de carne humana viva enquanto eu, em busca da sobrevivência, estava em desvantagem numérica. É. Não sou um grande filósofo como o Aureliano do Gabo, mas, assim como Kafka, posso dizer, em uma frase, o que aconteceu com o mundo.
Um dia, Ernesto acordou e viu que os vivos haviam se metamorfoseado em zumbis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário