quinta-feira, 2 de junho de 2011

Capítulo 6

Buscar novos significados para a vida. Você já não tem mais família, o que te resta? Sobreviver. Para isto, neste momento, me sobrou apenas uma 9 mm e uma mochila no meio do nada que eu acho que é a divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Na estrada há quase um ano, em um caminho que, se tiver tempo, ainda contarei com mais detalhes para minha própria memória, que começa a me preocupar, arranjei namorada, inimigos, amigos, novos irmãos e uma fé renovada em uma humanidade que, ainda que morta, é interessante à sua maneira. Mas, voltemos ao supermercado, minha primeira aventura fora dos muros de casa em um mundo tomado por pessoas que só querem comer miolos.

Uma das vantagens da vida zumbi é que você não paga mais impostos. Não tem ninguém para cobrar seu fornecimento de água e energia elétrica. IPTU, então, quem vai se preocupar com isso? No entanto, como as linhas de fornecimento não foram comprometidas, você continua recebendo energia, internet, água, tudo normalmente. A programação de TV ainda faz falta, mas na busca por sobrevivência, a última coisa que você quer ver é o programa do Jô, e o que mais o Jornal Nacional poderia nos oferecer?

O verdadeiro entretenimento neste mundo de desmortos é encontrar outra pessoa viva e lembrar de como era o mundo antes de tudo terminar. Como podemos dar tão pouca importância para os relacionamentos que temos? É piegas e extremamente clichê, mas é nestas horas que lembramos das coisas pequenas da vida, dos pequenos fatos, de quando meu pai me ensinava a andar de bicicleta, ou minha mãe jogando o chinelo em mim para que eu estudasse direito. Meus pais, a esta hora, deveriam estar mortos. Pena. Vamos deixando para trás o que é importante e acabamos por escolher outros caminhos. Damos prioridades para o trabalho, para pessoas que não merecem nosso amor, e, no fim, tudo o que nos sobra é cravar uma faca no que restou do seu filho, uma cabeça sobre um corpo putrefato e orar para quew ele sinta o mínimo de dor possível. Sim, momentos mágicos, depois de um apocalipse, acabam sendo substituídos por amargura e dor.

Vivemos para o outro, para o próximo. Em um mundo zumbi, não temos mais isso. Quando falo sobre rever as prioridades, adquirir uma nova perspectiva da existência, falo sobre isso. Em um mundo onde ninguém te vê como nada mais que um pedaço de carne que carrega miolos que podem virar comida, você precisa buscar novos significados, novos elos, que comprovem o que restou da sua humanidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário