Me afastei e comecei a gritar pelos zumbis no meio da rua
junto com Patrícia. Atirávamos em alguns que estavam mais perto. Quando olhei
direito, a manada estava imensa, com uns oitenta, cem desmortos. Corremos na
direção da praia e viramos à esquerda, voltando para o Retão de Manaíra, ainda
chamando a atenção dos desmortos. Só ficaria satisfeito quando eles saíssem da
frente do prédio de Renata, deixando Marcos e Angélica em paz.
Os zumbis vieram atrás de nós por uma quadra até o retão,
que estava coberto de carros. O grupo acabaria dispersando com aquelas
barreiras todas e ficaria muito mais fácil combate-los. O problema é que todos
os acessos ao prédio de Renata estavam lotados de desmortos. Eu precisava
pensar em uma rota alternativa antes de voltar para o shopping, que eu via ao
longe, uma grande caixa cinza perto da BR 230.
Entre os carros os zumbis começaram a ficar mais lentos do
que nós. Alguns até desistiam da perseguição e uns viraram as costas
simplesmente indo embora. Porém, eu e Patrícia ainda estávamos sendo cercados
por eles. Seguimos por uma quadra, duas até que eles começaram a sair da rua
que cruzava a altura que nós estávamos. Não havia para onde correr. Andávamos
por cima dos carros, pulando de um para o outro, na esperança de conseguir nos
livrar dos mortos, mas não conseguimos.
Ao longe, vi o shopping, a nossa única esperança de fuga.
Quando olhei para trás, Patrícia se entretia em chutar o rosto de um dos zumbis
enquanto atirava em outro que estava logo ao lado. À minha volta, cinco zumbis
começavam a subir na carroceria de uma caminhonete para onde eu estava indo.
Pulei no meio deles com o facão em mãos. Senti uma mordida atingindo o colete a
prova de balas na altura do ombro enquanto cortava o alto do crânio de um zumbi
e empurrava o outro com o pé. Dois estavam longe o bastante para me dar tempo
de cuidar do mordedor, que recebeu uma facada rachando a cabeça ao meio.
Os outros dois zumbis chegaram perto. Um teve o rosto
arrancado pela lâmina do facão enquanto o segundo recebeu um chute no estômago
que o jogou de costas no chão. Cravei o facão entre seus olhos e segui. Perdi
muito tempo naquela batalha tola, mas aprendi que precisava de sangue frio se
quisesse sobreviver naquele mundo. Fui conferir a mordia que havia recebido no
ombro. Não havia atravessado sequer a primeira camada de tecido do colete.
Corri sobre os carros com Patrícia logo atrás, até ser
surpreendida por um zumbi que puxou seu pé e a derrubou na carroceria de um
sedã.
A partir daí tudo parecia acontecer em um daqueles
pesadelos onde estamos presos, tentando correr, mas não conseguimos. Vi seu
corpo caindo em câmera lenta sobre o capô do carro e o rosto romper o
para-brisa e ficar coberto de sangue. Ela tentou levantar atordoada, mas vi
quando o zumbi que a havia derrubado subia por cima dela, estendendo suas mãos
imundas sobre a pele branca da menina. Aquela coisa parecia procurar o local
com carne mais saborosa e mordeu a parte posterior da coxa de Patrícia,
arrancando um pedaço grande. Ela gritou alto, quebrando o silêncio daquele dia
infernal. Eu não podia fazer mais nada. Patrícia estava condenada.
Mas ela não se deu por vencida. Virou-se para cortar a
cabeça do desmorto enquanto seu sangue escorria da coxa. A mordida havia sido
profunda, o músculo havia se rompido e a artéria femoral estava aberta,
jorrando sangue. Seu tempo de vida se abreviava demais.
_ Vai embora, eu seguro eles o quanto puder. Vai! Tem gente
precisando de você.
_ Não posso te deixar, Patrícia. Não posso te deixar aqui.
_ Pode sim. Saiba que eu não me entreguei. Eu lutei até o
final para viver. Avisa eles que eu lutei, que não era nenhuma patricinha
maluca que só gostava de consumir. Eu também tinha um coração e uma mente e
você conseguiu enxergar isso.
Quando disse isso foi mordida por outro zumbi na barriga.
Ela atirou na sua cabeça e em mais dois que vinham em sua direção. Tirou a
mochila das costas com os restos de força que tinha e lançou para mim antes que
uma mulher arrancasse um pedaço grande do seu braço. Seu rosto havia sido
tomado pela dor e pelo sangue e seus gritos poderiam ser ouvidos a quilômetros
de distância.
Chorei enquanto corria contra o fluxo de zumbis que se
acotovelavam sobre o corpo de Patrícia, rasgando sua pele, arrancando sua
carne, seus órgãos e membros, eviscerando a jovem. Olhei para trás apenas para
ver o enxame de desmortos que disputavam os pedaços dela. Era quase uma da
tarde, um sol a pino e a pessoa que aquele mundo mais havia transformado não
vivia mais.
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