sábado, 24 de setembro de 2011

Livro 4 - Capítulo 14 (Final)


Avançamos pela rua que dava acesso ao prédio de Renata. Perdi a conta de quantos zumbis haviam sido mortos naquele dia. Uns cem, presumi. Eu mesmo havia matado uns quinze, vinte, mais zumbis. Quantos cada um de nós não tinha conseguido destruir? Não sei. A partir deste momento minha mente agarrou apenas alguns flashes. Não recordo bem do que aconteceu, de como aconteceu. Lembro do céu azul de verão. Lembro do rosto de Renata sobre mim. Lembro de Claudemir e Alberto me carregando. Lembro de ouvir tiros. Depois, silêncio e ais nada.

Em 24 horas eu havia matado cerca de trinta zumbis, doado quase meio litro de sangue, atravessado a cidade debaixo de um sol a pino e não havia comido nada. Minha pressão tinha caído violentamente.

Quando abri os olhos era Renata que estava em cima de mim.

_ Você está bem?

Os cabelos longos dela tocavam no meu rosto.

_ Seus cabelos me dão claustrofobia.

_ Mas você gosta?

Ela cheirava a shampoo e perfume caro. Pequenos luxos que uma mulher podia se dar mesmo em meio ao caos zumbi.

_ Muito.

Já era noite e os outros dormiam nos quartos.

_ Quanto tempo eu apaguei?

_ Umas dez horas. Foi o bastante para eles darem uma dispersada. Olha lá em baixo.

Levantei devagar, sentindo dor em todo o corpo, especialmente no braço de onde havia sido tirado o sangue. Renata me deu apoio. Estávamos no décimo primeiro andar. Olhar para baixo me deu vertigem a princípio, mas consegui controlar. Sentia fome, e estava febril. Lá em baixo, na rua, nada mais que dez ou onze desmortos.

_ Como está o Marcos?

_ Bem. Ele sobreviveu.

_ Isso me deixa feliz. E você? Como está?

_ Feliz que você está bem.

_ Eu estou feliz que você está aqui.

Toquei o rosto dela com as costas da mão. Ela correspondeu ao afago. Fechou os olhos e entreabriu os lábios. Me aproximei devagar.  Brisa que vinha da janela trazia o cheiro salgado do mar, e não o cheiro podre dos desmortos. As estrelas brilhavam no céu enquanto as luzes lá em baixo piscavam incertas. Ao longe, a estação ciência brilhava. Tinha esquecido de como esta cidade era bonita e de como ela havia me atraído para ela.

Beijei Renata devagar, sentindo os lábios dela. Deixei que todas as ideias e culpas sobre Lenora e Augusto se fossem. Havia um mundo aqui fora, um mundo que, apesar de desmorto, ainda vivia, pulsante, gritando de vontade de ser reconquistado pela humanidade, ou pelo que houvesse sobrado dela. Todo um mundo de sensações e novas descobertas que precisava ser tomado de volta. Pensava nisso enquanto meus braços circundavam o corpo de Renata contra a luz da lua que vinha da janela, acompanhada do cheiro do mar que uma brisa distante trazia do oceano. Uma brisa limpa daquele cheiro pobre lá de baixo. É. João Pessoa era linda demais.

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