quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Livro 4 - Capítulo 12


Antes que eu chegasse no local da batalha, um dos zumbis chegou por trás do grupo e atacou a maca que estava no chão, mordendo o pescoço de Marcos. Janaína estava muito entretida com uma menina zumbi que tentava morde-la que mal ouviu quando o instrumento que monitorava o coração começou a acelerar, dando sinais sonoros em intervalos cada vez menores de tempo. Quando virou-se, três zumbis devoravam a carne de Marcos, mordendo seu torax, seu pescoço e seus braços. Ela gritou e voltou-se para o corpo caído, batendo nos três zumbis, dois homens e uma mulher. Eu estava a cerca de 40 metros do conflito, atirando com cuidado com a carabina, não me permitindo perder um tiro sequer, lembrando do treinamento do coronel Pacheco para o Haiti. É. Eu menti para Renata sobre o treinamento militar. Eu tinha, sim, dado alguns tiros em minha vida, Sabia manusear uma arma.

_ Busque sentir seu coração. Atire entre as batidas do seu coração. Quanto mais seu coração estiver sob controle, mais fácil será atirar e acertar. Mais eficiência se consegue com autocontrole, dizia o velho coronel.

Autocontrole era algo fundamental para a sobrevida em um mundo de desmortos. Assim como era importante ter autocontrole com as finanças pessoais, era importante ter autocontrole sobre as balas naquele momento. Por mais munição que tivéssemos, e tínhamos bastante, ainda precisávamos encarar um longo caminho até o local que havíamos deixado limpo.

_Autocontrole é o caralho.

Coloquei a carabina nas costas, puxei o facão e corri na direção deles gritando.

Eu precisava de uma descarga de violência gratuita plena, por isso, deixei as mochilas no chão e segurei o facão. Era um modelo do exército, com lâmina reta de 45 centímetros de comprimento, de aço resistente. Eu havia afiado na noite anterior, antes de os zumbis conseguirem entrar no segundo andar do shopping. Ele já havia devolvido diversas almas para o inferno e ainda me acompanharia até o final da jornada, quando, cercado, e com pouca munição, posso recorrer a ele para sobreviver.

Apesar da quantidade alta de zumbis, vi que a situação estava sob controle e comecei a cortar pelo prazer. Fui, durante alguns minutos, um psicopata, arrancando braços e quebrando espinhas de desmortos, apenas para ve-los caídos e sem condições de conseguir nos pegar. Matar era um detalhe, eu queria ver sangue preto de podre se espalhando por todos os cantos.

Me dei o prazer da violência. Matei minha sede de agressividade, fiz coisas inomináveis apenas por fazer. Não minto que aquilo me deu um raro e contínuo prazer. Mas os alvos estavam mortos, então não sentia culpa por tanto. Queria vingar Patrícia, vingar Lúcio, vingar Verônica, vingar Lenora, Augusto, cada um dos que eu vi morrendo. Cada um dos que não poderia mais aproveitar as coisas pequenas do mundo.

Abri a barriga de uma senhora e peguei a ponta de suas tripas. Arrastei até alcançar dois zumbis, que eu amarrei com os intestinos da mulher antes de matar. Ela se arrastava na direção do corpo de Marcos, mas esmaguei seu crânio com minha bota de alpinismo, com biqueira de aço que eu tive o prazer de enfiar nas costelas de outro zumbi que veio na minha direção. O facão cortou sua cabeça na perpendicular, separando o cérebro e terminando o corte na altura do lóbulo da orelha direita do zumbi. Foram dez mortes minhas só naquela explosão. Eu era apenas fúria e violência, e queria sentir que podia controlar aquilo, mesmo na situação mais terrível.

Os outros sobreviventes ficaram me olhando enquanto eu cometia aquela atrocidade. Coberto de sangue e podridão, eu não queria falar nada. Voltei, peguei as mochilas do chão e caminhei na direção deles. Renata, assustada, estava de queixo caído.

_ Patrícia está morta.

Para eles esta explicação foi o bastante.

Caminhei na direção de Janaina que chorava ao lado do corpo semidevorado de Marcos. Ele tinha os olhos abertos e uma expressão de terror e dor impregnada neles. Coloquei a mão no ombro da enfermeira e sobre a cabeça do moribundo. O sangue vertia das feridas. Eu sabia que Marcos sentia todas as dores, mas não podia se expressar.

_ Filha, há momentos em que temos que tomar decisões drásticas. Abandonar pessoas no caminho é uma destas decisões. Você consegue isso?

Ela fez que sim com a cabeça.

_ Não se culpe. Você fez o seu melhor. Cuidou dele por tanto tempo, entregou sua vida a ele por tanto, passou por tanta coisa para que ele pudesse estar seguro que agora que eu sei que ele vai reconhecer e entender sua decisão. É o melhor para ele.

Entreguei o 38 na mão de Janaína e me afastei para compor o perímetro junto de Renata Claudemir e Alberto. De costas para a cena, apenas ouvi o tiro e o choro da enfermeira que crescera. Ela fez o que tinha que ser feito. Precisávamos seguir em frente. Sem olhar para trás e nem pensar no que aconteceu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário